Um dia, cerca de dois séculos atrás, um menino estava na oficina do pai, na cidade de Coupvray, perto de Paris. Louis Braille tinha apenas três anos e gostava de ver o pai fazer selas e arreios. O pai lhe dava tiras de couro para brincar e ele fingia estar fazendo arreios também. Quando crescesse, queria ser igual ao pai.
O Sr. Braille trabalhava com afinco, cortando o couro com mão segura e olhar crítico. Levou uma peça de couro à luz e examinou com atenção para saber que faca usar. Largando a peça, atravessou a oficina para pegar a ferramenta adequada.
O pequeno Louis foi à mesa de trabalho, pegou a sovela e começou a bater numa tira de couro. Batia com força, tentando furar o couro duro, e seus dedinhos não tiveram firmeza para segurar a sovela. O instrumento pontudo escapou-lhe da mão e atingiu o olho esquerdo.
O Sr. Braille ouviu o grito e correu para o menino, mas era tarde demais. O mal estava feito.
Horrorizados, os pais correram ao médico, na esperança de salvar a vista da criança, mas o ferimento era muito grave. A tragédia se completou quando a infecção atingiu o outro olho. Em pouco tempo, o menino não enxergava mais.
Naquele tempo as pessoas tratavam os cegos com negligência ou crueldade. Às vezes eram expulsos pela família e viviam de esmolas. Às vezes eram contratados para trabalhos pesados, como bestas de carga. Em alguns lugares, a cegueira era vista como obra do demônio ou como castigo divino.
As coisas eram diferentes na cidade de Couvpray, onde todos cuidavam do pequeno Louis. Ao ouvirem a batida da bengalinha, interrompiam o que estavam fazendo para ajudá-lo a atravessar a rua ou virar a esquina. Ajudaram a contar quantos passos levava para ir ao mercado, aos limites da cidade, à escola.
Passeando junto com o pai, Louis perguntava:
– De que cor está o céu hoje?
– Todo azul – dizia o pai. – Todo azul.
Mas embora Louis se esforçasse para se lembrar do azul, as imagens da primeira infância gradualmente desapareceram, e ele não se lembrava mais da beleza das cores.
Aprendeu a ajudar o pai na oficina, trazendo ferramentas e peças de couro. Ia à escola com os amigos e todos se admiravam da facilidade com que aprendia e memorizava as lições. Gostava de conversar com os professores sobre história e geografia, e com o padre sobre as histórias da Bíblia.
Mas na verdade não estava feliz com os estudos, pois queria ler livros e escrever cartas como os colegas.
Um dia o professor falou com Louis sobre uma escola para cegos em Paris. Tinham livros especiais para cegos. Louis mal pôde acreditar. Implorou aos pais que o mandassem para essa escola, e o pároco ajudou a levantar o dinheiro para as despesas.
Assim, quando tinha dez anos Louis viajou com o pai para Paris e se matriculou no Instituto Nacional para Crianças Cegas. Logo ao chegar, levou aos professores a questão que ardiam em sua mente.
Soube que a escola experimentava novas maneiras de ensinar os cegos a ler. O fundador tinha mandado imprimir livros com letras grandes em relevo. Os estudantes cegos sentiam pelo tato as formas das letras e aprendiam as palavras e frases.
Não demorou, porém, que Louis descobrisse as limitações do método. As letras eram tão grandes que uma história curta enchia muitas páginas. Um simples livro chegava a pesar cem quilos! O processo de passar os dedos sobre as letras era demorado, e a leitura tomava muito tempo. E, como a confecção dos livros era muito cara, a escola só pode imprimir alguns volumes. Em pouco tempo Louis tinha lido toda a biblioteca.
Apesar da decepção com a lerdeza do método, o menino de Coupvray estudava muito. Adorava música, e tornou-se ótimo estudante de piano e violoncelo. Passava as horas livres estudando no órgão da igreja, e tocaria nas cerimônias religiosas.
O amor à musica aguçou o seu desejo pela leitura. Além das letras, agora queira ler notas musicais. E queria aprender a escrever. Passava noites acordado pensando no problema. “Tem que haver um jeito”, pensava. “Se os cegos podem aprender como todo mundo, devem ser capazes de ler e escrever. Tenho que descobrir um jeito”.
Foi então que ouviu falar de um capitão do exército, chamado Charles Barbier, que havia desenvolvido um método para ler mensagens no escuro. A “escrita noturna” consistia em conjuntos de pontos e traços em relevo no papel; correndo os dedos sobre os códigos, os soldados podiam ler sem precisar de luz.
Louis viu imediatamente as possibilidades dessa idéia. Se um soldado podia ler e escrever no escuro, os cegos também podiam.
Procurou o capitão Barbier, que demonstrou o sistema com a maior boa vontade. Fez uma série de furinhos em uma folha de papel, com um furador muito semelhante ao que tinha tirado a visão de Louis. Virado a folha, mostrou os pequenos relevos dos furinhos no outro lado do papel e explicou como as combinações de pontos e traços formavam palavras e frases.
Louis voltou ao instituto e começou a trabalhar. Noite após noite, mês após mês, trabalhou no sistema de Barbier, fazendo adaptações e aperfeiçoamentos. Sabia que a idéia era fundamental, mas o código de traços e pontos precisava ser mais trabalhado para ter real utilidade para os cegos.
Como muitas idéias e invenções, a de Louis foi encarada com suspeita. Os diretores do instituto não aprovaram a tentativa de mudança. Tinham gastado uma pequena fortuna na impressão dos livros com letras em relevo e não viam motivo para trocar por um sistema baseado em pontinhos. Argumentavam que uma escrita específica para cegos ia segregá-los ainda mais da sociedade. Não aprovavam os esforços de Louis.
Quando fez dezessete anos, Louis tornou-se professor do instituto. De dia ensinava a ler pelo método de letras grandes, e à noite continuava a aperfeiçoar o novo sistema. Trabalhava longas horas, testando novos padrões, procurando as melhores combinações, e às vezes adormecia sobre os furadores e papéis. À exceção da música, dedicava todas as horas livres à pesquisa, confiante no sucesso.
Em 1829, aos vinte anos de idade, Louis chegou a um alfabeto legível com combinações variadas de um a seis pontos. O método Braille estava pronto. Projetou um furador menor, mais adequado à função, e algum tempo depois era capaz de escrever tão rápido quanto falava. O sistema permitia também ler e escrever música.
A notícia correu, e alguns alunos iam secretamente ao quarto de Louis à noite para aprender o novo método. Louis começou a copiar livros – Shakespeare e outros clássicos –, e logo mais e mais cegos tomavam conhecimento do método. Louis começou a receber cartas de todas as partes do mundo pedindo informações sobre a invenção.
No entanto, infelizmente, muitos não reconheciam a importância do sistema de Braille. Alguns admitiam seu valor, mas não se interessavam. Outros, por inveja, se ressentiam do novo método. Alguns professores do instituto tentaram proibir o ensino dos pontos de Louis Braille.
Mas ele continuava a aprimorar e a divulgar a sua invenção, esperando que um dia os cegos do mundo inteiro aprendessem a ler e escrever como ele. Transcrevia novos livros e ensinava a leitura a quantos se interessassem. Falava sobre o método a quem quisesse ouvir, demonstrava quantas vezes fosse preciso, tentando atrair o interesse do público.
Ao fim de tantos dias e noites de trabalho incessante, sua saúde começou a dar sinais de fraqueza, e ele temia que a chance de os cegos aprenderem a escrever pelo seu método morresse com ele.
Entretanto, a idéia terminou por encontrar aceitação. No fim da vida de Louis, diversas cidades da Europa já reconheciam a importância do método Braille e cada vez maior número de cegos adotava os pontinhos em relevo. Era a luz que despontava. Semanas antes de morrer, no leito do hospital, Louis disse a um amigo:
– Oh, mistério insondável dos corações humanos! Tenho certeza de que minha missão na terra terminou.
Morreu em 1852, dois dias depois de completar quarenta e três anos.
Nos anos seguintes à morte de Braille, o método se espalhou por vários países e finalmente se tornou aceito como o método oficial da leitura e escrita para aqueles que não vêem. Assim, os livros puderam fazer parte de sua vida graças a um menino que dedicou a sua vida a enriquecer a dos cegos.
* Baseado em trecho do livro “O livro das virtudes II”, de William J. Bennett, editora Nova Fronteira.
“Se meus olhos não me deixaram aprender, tive de encontrar uma outra forma.” - Louis Braille
O bicentenário de um grande sonhador
às 09:36 Postado por Ráh LiraFonte:Meusonhonãotemfim
Marcadores: Coisas e Trecos ;D
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário